quarta-feira, 27 de junho de 2012

Nem bom vento (ou resumo histórico de quase todos os Espanha-Portugal)



Diz o povo que de Espanha nem Bom Vento, nem Bom Casamento. Até hoje...

Parece que já jogámos futebol com os espanhóis muitas vezes com alguma supremacia de "nuestros hermanos" no que diz respeito a vitórias. Mas como há sociólogos que afirmam que um desafio de futebol é comparável a batalhas e guerras de outros tempos, então já andamos a jogar com Espanha/Castela vai para 900 anos!!!

Senão vejamos...

Historicamente, a existência de Portugal como país é uma improbabilidade enorme. Numa Península Ibérica unida por Espanha, coube a Portugal o papel de irredutíveis que resistem ao invasor na sua aldeia à beira-mar plantada. Eis um resumo dos encontros anteriores:

1º jogo - Condado Portucalense 2-Castela e Leão 1 (após prolongamento e penalties, 1128 a 1179)
Estreia da equipa, liderada na altura por um fenómeno que desde jovem se evidenciou como treinador. Irrascível no trato, bruto mas muito inteligente na táctica de jogo e no planeamento estratégico o jovem Afonso Henriques rebelou-se primeiro contra a sua mãe. Batemos o pé ao primo Afonso de Castela e Leão, passámos de Condado Portucalense a Portugal, crescemos em território contra os Mouros mas sempre a olhar para trás do ombro... Um olho no Sarraceno, outro no Castelhano! Pode dizer-se que foi uma partida longa (para lá do prolongamento e dos "penaltes", durou de 1128 a 1179) mas no fim o árbitro do Vaticano, um tal de Papa Alexandre III lá publicou a bula Manifestis Probatum (a troco de ouro, já na altura...) e ficámos independentes!!!

2º jogo - Portugal 3 - Castela 0 (famoso jogo disputado no Municipal de Aljubarrota, 1385)
Estivemos anexados por Castela, pela mão de Leonor Teles e seu amante, o Conde Andeiro entre 1383 e 1385. Valeu-nos o "Mister" d'Avis, depois D. João I, o Cristiano Condestável, o Povo e a Burguesia mais os ingleses em Aljubarrota. A famosa táctica do quadrado contra, já na altura, a pesada cavalaria castelhana que trocava muito bem a bola no meio-campo. Não bastando a derrota num rápido jogo de contra-ataque de Portugal, ainda houve tempo para que uma profissional da industria da panificação da altura, Brites de Almeida, linchasse 7 jogadores espanhóis escondidos no forno (suspiro por estes outros tempos...)

3º jogo - Portugal 1 - Castela e Aragão 1 (Tordesilhas - 1494)
Foi um jogo disputadíssimo, na altura da geração dourada de Bartolomeu Dias, Vasco da Gama e Pedro Álvares Cabral. Tivémos 2 treinadores de elite à altura, primeiro D. João III e depois D. Manuel I. Era a época em que aliávamos exibições a resultados, tendo chegado ao topo do mundo. Ainda assim, deixámo-nos papar pelos de Castela, muito por culpa de um tal Cristóvão Colombo, avançado italiano que jogou primeiro por Portugal (sem mostrar grandes dotes de goleador) mas que, alinhando depois por Castela, descobriu (com uma sorte dos diabos porque pensava estar a caminho da Ásia)... a América.

Ainda assim fomos espertos e garantimos, ao cair do pano, que o Brasil seria nosso...

4º jogo - Espanha 3 - Portugal 0 (golos de Filipe I, Filipe II e Filipe III - 1580)
Foi-se D. Sebastião em Alcácer Quibir e o treinador substituto, D. Henrique que era idoso e casto, abordou a partida para empatar (já na altura quem joga para não perder, raramente vence). Sofremos um golo de cada um dos Filipes e durante 60 anos ficámos sob domínio de Espanha. 

5º jogo - Portugal 6 - Espanha 0 (A Desforra, 1640)
Jogo da Desforra! Completamente afectados pela derrota anterior e pela falta de identidade nacional evidenciada em 60 anos, em 1640, defenestramos Miguel Vasconcelos e seus algozes para voltar a ter uma equipa nacional, liderada por D. João IV. Foi o início da famosa Academia de Bragança, escola que deu bons valores ao país durante quase 300 anos. Jogo durinho, demorou 28 anos e marcámos 6 golos sem resposta (Montijo, Arronches, Linhas de Elvas, Ameixial, Castelo Rodrigo e Montes Claros). Os espanhóis nem um golo fizeram, tendo chegado ao fim completamente desanimados e cansados.

6º jogo - Portugal 0 - Espanha 1 (Olivença, 1701)
Jogo sem grande história, praticamente a feijões já que não decidiu nada. Ainda hoje alguns portugueses contestam este jogo mas a maior parte nem se lembra. Espanha venceu mas a crónica do jogo mostra que, sendo nossa por direito, é irrelevante

7º jogo - Quadrangular Portugal/Grã-Bretanha 3 - França/Espanha 0 (1807/1814)
Com os dirigentes federativos ausentes no Brasil, fugindo à pressa de alguma investigação judicial, dá-se um desafio estranho entre Portugal e Espanha mas cujas selecções tiveram também a participação de Grã-Bretanha (alinhada com Portugal) e França (alinhada com Espanha).

Primeira vez que a nossa equipa foi liderada por um inglês, Duque de Wellington. Do lado franco-espanhol, três treinadores (Junot, Soult e Massena, todos da clássica escola napoleónica) o que mostra bem que a desorganização e inconstância deu, como nos tempos modernos, maus resultados. Fortemente apoiados pelos ingleses, jogámos durante muito tempo na retranca, estacionando o autocarro à frente da baliza, ali na zona das Linhas de Torres. Aguentámos, aguentámos, aguentámos, contra-atacamos no Vimeiro e no Buçaco. Depois o desgaste abateu-se sobre o adversário e levámos tudo por diante até à queda do próprio Napoleão. Vitória saborosa mas numa época em que o futebol jogado teve muito pouco de nacional.

Depois, já no século XX, substituímos as guerras e batalhas pelo futebol. Dizem que somos aliados e parceiros europeus (eles até vão ser "resgatados" como nós). Mas a mim, ninguém me engana porque já cá andamos há muitos séculos.

Hoje somos D. Afonso Henriques em São Mamede, D. João I mais o Condestável Nuno Alvares Pereira em Aljubarrota ou D. João IV defestrando o Vasconcelos. Antes e depois do jogo continuamos amigos mas naqueles 90 minutos, contra todas as probabilidades, sonhemos mais uma vez.

E se perdermos, que nos lembremos amanhã que (quase) nada mudou. É só um jogo de futebol...

M.

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