Para justificar a guerra contra os movimentos de libertação nas antigas colónias portuguesas, a propaganda do Estado Novo criou a frase "do Minho até Timor" com o objectivo de mostrar um país único apesar das distâncias e diferenças culturais.
O rolo compressor da História veio mostrar que o "todo o mundo é composto de mudança" e não se compadece com impérios de papel. Mais do que qualquer ex-colónia, Timor (Lorosae ou Timor-Leste, como quiserem chamar) sofreu as consequências de uma colonização demasiado longa e de uma descolonização desastrosa. No auge de uma Guerra Fria feita de guerras por procuração, a Indonésia (com apoio dos EUA e da Austrália) invadiu o território em 1975 e levou a cabo, durante 24 anos, uma ocupação sangrenta na tentativa de calar a resistência de um povo abandonado por todos (inclusive Portugal durante algum tempo).
No jardim de infância tive um colega timorense que se chamava Flávio (se a memória a esta distância não me atraiçoa). Tímido, de poucas falas, tinha uns olhos enormes que falavam e exprimiam o que muitas vezes não dizia. Vivia com a família numa barraca que, junto ao rio Jamor, formava uma pequena comunidade de timorenses, refugiados num país que chamavam seu mas que, em 1980, os considerava párias. Flávio tinha uma camisola vermelha do Benfica que usava muitas vezes, mais do que os pais gostariam mas menos que as que ele queria. Tinha poucas coisas com que se orgulhar por viver onde vivia e por não poder voltar para Timor, como era desejo dos seus familiares. Mas aquela camisola era uma delas! Mesmo quando chovia o fazia mais frio, o Flávio aparecia com aquela camisola e era o centro das nossas atenções.
Com o referendo em 1999 e com a libertação do domínio indonésio, chegaram ao exterior histórias inacreditáveis, simples de pessoas que para sobreviver ao opressor durante tanto tempo se agarraram ao que podiam na ténue esperança de um dia serem livres. Muitos encontraram conforto na igreja e na fé, outros ao facto de serem e considerarem-se portugueses. Quando as bandeiras de Timor, da UDT e mesmo de Portugal foram banidas pelo invasor, alguns timorenses penduravam na parede bandeiras vermelhas com a águia do Benfica como referência ao passado e para desafiarem os indonésios.
Em 2010, uma comitiva do Benfica deslocou-se a Timor em resposta a um convite do Presidente Ramos Horta. O objectivo foi re-fundar o Sport Dili e Benfica e ajudar a que este clube possa crescer à par de Timor-Lorosae. A reacção dos timorenses foi tremenda e festejaram a presença de Luís Filipe Vieira, Nuno Gomes e outros, como poucas vezes aconteceu naquele território. A dimensão e a responsabilidade do Sport Lisboa e Benfica também se vê nestas ocasiões, mostrando a todos o que somos e o quanto nos une como comunidade.
Nunca mais me cruzei com Flávio mas quero acreditar que voltou ao seu país e hoje trabalha por um futuro melhor em Timor. Imagino-o a acenar à comitiva do Sport Lisboa e Benfica quando esta passou. E nos seus ombros uma criança, seu filho talvez, veste a tal camisola vermelha do Benfica que tanto orgulho lhe dava nos tristes dias de escola...
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